A construção da História de Espírito Santo do Pinhal: do fato religioso ao fato histórico


Como boa parte das cidades da região do leste paulista, Espírito Santo do Pinhal surgiu a partir do caminho das bandeiras, essas expedições que se destinavam a Goiás em busca de ouro utilizavam dois caminhos diferentes, um que partia do Rio de Janeiro e outro de São Paulo. No primeiro, o caminho tinha por traçado a Serra da Mantiqueira, Morro do Lobo, atingindo as atuais divisas de São Paulo e Minas. Nessa região alcançavam Rio Pardo e embrenhavam-se por Goiás adentro. No segundo, quando partiam de São Paulo, passavam por Jundiaí, Atibaia, Jaguari (hoje Bragança Paulista), Mogi Mirim, Mogi Guaçu (limítrofe a Espírito Santo do Pinhal), Itaqui, Casa Branca, Batatais e, transpondo o Rio Grande, avançavam nos sertões de Goiás, assim, por meio desse caminho surgiu o município de Espírito Santo do Pinhal que está situado a 90 km de Campinas e 190 km de São Paulo.


A ocupação dessas terras, portanto, começou por volta do final do século XVIII e provavelmente a partir do processo de expansão bandeirante descrito anteriormente, no entanto, a fundação da cidade somente ocorreu em 1849 e está vinculada a Romualdo de Souza Brito que, vindo de Mogi das Cruzes, estabeleceu-se no local como posseiro dedicando-se, primeiramente à agricultura de subsistência e depois à cafeicultura comercial. Em meados do século XIX a questão da posse e propriedade de terras era um problema grave, parte considerável das terras no Brasil era devoluta, sendo assim, sua ocupação era feita por posseiros – migrantes, como era o caso de Romualdo de Souza Brito– que, itinerantes, buscavam melhores condições de vida para si e suas famílias



No entanto, a região do rio Mogi Guaçu e Eleutério era dominada por mata exuberante e caracterizada por uma topografia muito acidentada, o que dificultava e muito a entrada de povoadores. Foi somente no final do século XVIII e início do século XIX que gente vinda de Mogi Guaçu e Ouro Fino começaram a se apossear destas terras. A entrada simultânea de paulistas por um lado e mineiros por outra, na região do Eleutério, gerou uma série de conflitos, tanto entre os posseiros como também entre as autoridades de Mogi Mirim e Ouro Fino. (MARTINS, 1986, p.52)

Dessa forma, os conflitos de terras eram constantes e normalmente resolvidos por meio da violência ou outras estratégias – como a doação de terras à Igreja – desenvolvidas por posseiros para assegurar sua permanência e controle sobre as terras ocupadas, foi esse caso específico de Espírito Santo do

Pinhal, sua fundação está ligada a uma demanda conflituosa sobre a posse de parte das terras da Fazenda do Pinhal ( nome dado devido a imensa quantidade de araucárias na região), levada a cabo por agricultores que na primeira metade do século XIX tentavam se estabelecer na região.

Tudo começou, quando, por volta de 1820, Floriano Pires Cardoso adquiriu fazenda do Pinhal situada na freguesia de Mogi Guaçu de Antonio Carlos Azevedo que, por sua vez havia conseguido a fazenda por meio de posse. E assim, durante a primeira metade do século XIX a Fazenda do Pinhal foi assunto de demanda judicial, entre os herdeiros dos Pires Cardoso, dos Azevedo e posteriormente de outros condôminos que ali se estabeleceram e como a legislação de terras no Brasil somente foi aprovada em 1850(1), as questões relativas às tais demandas eram, obviamente, decididas por meio da força e neste caso, como em tantos outros, resolvidos os conflitos eram apaziguados por meio da doação das terras em litígio para a Igreja Católica

Para apaziguar o litígio foi que Romualdo de Souza Brito um dos condôminos da Fazenda Pinhal e sua esposa, dona Tereza Maria de Jesus, resolveram solucionar o problema do conflito no qual estavam envolvidos: no dia 27 de dezembro de 1849 doaram as terras disputadas para a formação do patrimônio do Divino Espírito Santo, porém Romualdo não era parte significativa no litígio que se estendeu durante o século XIX, ele só veio a aparecer na questão quando fez a doação de terras ao Patrimônio do Espírito Santo. Porém, a partir desta doação, que compreendia 40 alqueires de terras retiradas da Fazenda do Pinhal surgiu o povoado que recebeu o nome de Espírito Santo e Nossa Senhora das Dores do Pinhal.

No entanto, as questões relativas à posse de terras e formação de povoados no Brasil do século XIX não eram tão simples assim, e doar terras à Igreja é um ato que além da devoção a determinado santo ou ao Divino Espírito Santo, como é o caso analisado, envolvia outras contendas, existia uma questão pragmática no ato da doação de terras para ao patrimônio da Igreja Católica no

século XIX, pois cabia a Igreja por meio de seus representes homologar o aceite da doação e desse ato dependia o início ou não de um povoamento, reconhecido como tal pela Igreja e pelo Estado.

Assim, cabia ao pároco do povoamento mais próximo, no caso o vigário de São João da Boa Vista, aceitar ou não a doação o aceite significava curar a capela erigida em louvou ao Divino Espírito Santo, isso aconteceu somente em 1856 quando o Bispo de São Paulo declarou curada a capela do Divino Espírito Santo do Pinhal fornecendo as divisas do povoamento. Portanto, depois de sete anos de luta, o povoamento foi reconhecido como tal. (Martins, 1986, p.21).

Apesar da primeira missa celebrada na capela do Divino Espírito Santo ter sido celebrada no Natal de 1849, a celebração foi em caráter especial, pois, entre 1849 e 1856 muitas petições foram enviadas ao Bispo de D. Antonio Joaquim de Melo declarar curada a Capela erigida em louvor a Divino Espírito Santo e Nossa Senhora das Dores. Segue abaixo a cronologia dos eventos em torno do processo de aceitação da doação de terras ao patrimônio da Igreja feita por Romualdo de Souza Brito e sua esposa Tereza de Jesus.

27/12/1849 Romualdo de Souza Brito e sua esposa Maria Tereza de Jesus fazem doação de 40 alqueires de terras para constituir PATRIMÔNIO DO ESPÍRITO SANTO. Data que é considerada a fundação de Espírito Santo do Pinhal.

13/02/1850 Provisão do Bispo de São Paulo dando licença para ereção da Capela do Divino Espírito Santo do Pinhal e Nossa Senhora das Dores.

25/12/1851 No Natal é celebrada a primeira missa na Capela.

03/08/1853 Provisão de ereção e fundação do Cemitério da Capela do Espírito Santo e Dores (Freguesia de Mogi Guaçu) dada pelo Bispo de São Paulo.

10/11/1853 Escritura de Conciliação entre os condôminos da fazenda do Pinhal.

22/07/1855 Um abaixo assinado dos moradores da Capela do Pinhal solicitam ao Bispo de São Paulo que a mesma seja curada.

22/09/1855 O vigário Joaquim Feliciano de Amorin Sigar de São João da Boa Vista, dá seu parecer favorável às pretensões da população de Pinhal.

29/09/1855 O vigário da Vara de Mogi Mirim, José Cardoso de Vasconcelos atesta que a Capela do Divino Espírito Santo de Nossa Senhora das Dores do Pinhal tem plenas condições para celebração do Santo Sacrifício da Missa.

1856- No início desse ano o Vigário de Mogi Guaçu, José Mariano da Silva, José Valeriano de Sousa, manifestaram forte oposição ao desejo da população de Pinhal terem a Capela elevada ao Curato.

12/02/1856 O vigário José Valeriano de Sousa, de São João da Boa Vista fornece informações e as divisas entre São João e a Capela de Pinhal, mas consegue retirar de Pinhal a região das Três Fazendas.

NOTAS:

(1) – Lei N° 601 de 18 de Setembro de 1850 : Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições legais. bem como por simples titulo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara

Trecho extraído do artigo: Preservar e Permanecer: o ethos religioso e a memória histórica católica de Espírito Santo do Pinhal (SP). Prof.ª Valéria Torres.

Publicado nos Anais do VI ENCONTRO DO GT NACIONAL DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E DAS RELIGIOSIDADES – ANPUH História das Religiões, Literatura, Conceitos e Identidades – ISSN 2359-6988.